Nós da esquerda costumamos dizer: “privatiza que piora”. Em Muriaé, o DENSUR é uma empresa pública, mas embora pertença à prefeitura, ela precisa seguir rigidamente às leis do setor. Aqui o leitor pode se perguntar: qual a relação entre uma empresa pública, o aumento da conta de água e a privatização? Os afoitos podem de imediato responder que a culpa é do prefeito, mas é preciso entender o contexto completo, não só no espaço, mas também no tempo e nas várias ideias que estão por trás desse reajuste.
Comecemos pela ideia de privatização que começou a ser difundida no início dos anos 90 e foi amplamente implementada no governo FHC. O caso da privatização da telefonia é sempre usado como justificativa para essa política. Antes, quando era apenas pública, o serviço era limitado e não atendia toda a população. A privatização trouxe uma nova realidade, mas como nem tudo são rosas, houve períodos em que as empresas de telefonia figuraram entre as mais processadas do país. Será mesmo que a privatização resolve todos os problemas? A Vale, criada na década de 1940, depois de privatizada apresentou uma questão grave: Brumadinho – foi acidente ou catástrofe evitável? Será mesmo que o melhor para o público é vender obras executadas com dinheiro público para o setor privado? Não seria melhor manter as empresas públicas e abrir concessões para o setor privado investir apenas onde o público ainda não atuou, criando assim uma concorrência saudável entre público e privado? Se o privado é tão superior ao público, por que as favelas – territórios totalmente regidos pela iniciativa privada (desde a construção até os serviços informais) – só conseguem melhorias através da intervenção do poder público?
Para entender o aumento da conta de água em Muriaé, precisamos pensar no conceito de privatização e compreender como a Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020 – que atualiza o marco legal do saneamento básico, alterando várias outras leis e priorizando o interesse do setor privado em detrimento do interesse público – está repercutindo no bolso de cada muriaeense. Para quem insiste em dizer que “não gosta de política”, é bom saber que as decisões tomadas em palácios e câmaras legislativas mexem no bolso tanto de quem gosta quanto de quem não gosta de política. Toda vez que votamos na direita, no centrão ou em quem não luta contra o neoliberalismo, estamos votando contra os interesses públicos e a favor do lucro de grandes conglomerados privados, que se beneficiam às custas do prejuízo coletivo.
A Lei 14.026/20 foi toda desenhada para favorecer o setor privado. Na época de sua discussão, houve muitas críticas, enquanto a grande mídia defendia a lei, afirmando que finalmente o saneamento básico seria universalizado com os investimentos privados. O resultado? Privatizaram grandes empresas públicas, como ocorreu no Rio de Janeiro, onde o serviço foi concedido à iniciativa privada em menos de um ano após a aprovação da lei. O Novo Marco Legal do Saneamento Básico, baseado na Lei 14.026/2020, foi concebido para privilegiar o setor privado através de vários mecanismos: extinção dos contratos de programa (obrigando licitações que beneficiam grandes grupos privados), formação de blocos regionais (que exigem escala econômica inacessível para empresas públicas locais), garantias financeiras como reequilíbrio tarifário e subsídios cruzados (transferindo riscos para o poder público), indenizações generosas com dinheiro público em caso de rescisão contratual, vinculação de taxas como a de lixo à conta de água (aumentando a arrecadação e a atratividade para investidores), e metas ambiciosas de universalização sem mecanismos efetivos de fiscalização. Tudo isso cria um modelo onde o lucro privado é garantido através de tarifas mais altas, socialização de prejuízos e apropriação de infraestruturas construídas historicamente com recursos públicos, enquanto a eficiência e o acesso universal permanecem como promessas não cumpridas, subordinadas aos interesses do mercado.
O leitor pode pensar que, tendo uma empresa pública municipal, o prefeito deveria ter controle total sobre os reajustes, mas a realidade é mais complexa. A Constituição determina as atribuições do prefeito, e uma delas é respeitar as leis federais. A Lei 14.026/2020 estabelece regras que obrigam até mesmo empresas públicas como o DENSUR a priorizar o equilíbrio financeiro, como se fosse uma empresa privada, em vez de colocar os interesses públicos em primeiro lugar. Afinal, a lei foi elaborada justamente para atrair e garantir lucros ao setor privado.
É revelador observar os prazos estabelecidos na lei para sua implementação. Os legisladores cuidadosamente marcaram os prazos limites para após as eleições de 2022, mostrando claro interesse eleitoral, pois sabiam que contas de água mais caras poderiam influenciar nos resultados. Em Muriaé, a adequação à lei só ocorreu em 2023, já extrapolando o prazo legal.
Assim, é importante que todos entendam: a conta de água vai continuar subindo, e a responsabilidade por isso está em quem se deixa enganar pelo discurso neoliberal e continua votando em quem defende usar prefeituras, estados e o poder público como instrumentos para garantir o lucro do setor privado às custas do prejuízo coletivo – ou seja, do meu e do seu bolso. A conta chegou, e quem paga somos nós, enquanto os grandes conglomerados privados seguem lucrando.
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