A sigla, que começou com três letras (GLS), vem ganhando o alfabeto. Se, por um lado, contempla seus adeptos, por outro, aumenta a confusão entre seus detratores – aqueles que não apenas não aceitam, mas se recusam a reconhecer qualquer conceito que fuja da tradição católica moldada na Idade Média.
A lógica do senso comum ainda se baseia em Aristóteles: uma estrutura binária do ser e não ser. Assim, a maioria pensa de forma essencialista: homem, árvore, mulher. Na filosofia aristotélica, há também o princípio do terceiro excluído – ou algo é, ou não é, sem meio-termo. Uma terceira opção transformaria o ser em outro ser, mantendo-o preso à mesma armadilha: existir ou não existir.
Pode parecer confuso, mas essa estrutura está enraizada em nosso cotidiano. Usamos esses moldes para interpretar o mundo, nossas sensações, nossas identidades. E muitos sequer percebem o quanto essa lógica limita seu pensamento.
Voltando à sigla, que não para de crescer, cabe a pergunta: quem, de fato, é o homem e a mulher? Não é fácil definir “mulher”. Simone de Beauvoir gastou 900 páginas, em dois volumes, tentando fazê-lo em O Segundo Sexo – e mesmo assim, o livro foi criticado por mulheres negras, indígenas e colonizadas, que não se viram representadas nele. Se definir “mulher” é tão complexo, o que dizer então de “homem”?
Por séculos, homem e mulher foram reduzidos à sua genitália e ao modo como a usam. Qualquer desvio da norma imposta levava ao não ser. Nossa cultura, influenciada por narrativas religiosas, acredita que tudo passou a existir pela palavra de um Deus que ordenou: “Faça-se a luz”, “Faça-se a terra”. Aqui, a palavra não só comunica – ela cria existência. Assim, quando alguém não se encaixa no padrão de homem ou mulher, é como se perdesse seu direito de ser, caindo num vazio social.
É nesse espaço que a sigla – cheia de letras e terminando com um “+” – não apenas dá sentido, mas garante existência a:
- Lésbicas
- Gays
- Bissexuais
- Transgêneros
- Queer
- Intersexo
- Assexuais
- Pansexuais
- Não-binários
- E todas as outras identidades representadas pelo “+”
Para quem acha muitas letras, proponho um desafio: Você conseguiria se definir com apenas uma? Quantas seriam necessárias para descrever quem você realmente é?
“Ser ou não ser, eis a questão” – a famosa frase de Shakespeare, encenada com um crânio na mão, ecoa a lógica aristotélica. Mas e se formos além? E se entendermos que a existência humana é vasta demais para caber em apenas duas formas de ser? Enquanto nos limitarmos a essa dualidade, continuaremos condenando ao não ser tudo o que não se encaixa.
No fim, só há uma forma de ser normal: ser o que se é, independentemente de normas externas. Se ainda precisamos de palavras para existir, então que elas sejam muitas. Que cada letra da sigla seja um passo em direção a um mundo onde ninguém precise justificar seu lugar.
Chega de tratar LGBTQIAPN+ como um problema, pois o que propõe é o início de uma solução que demorou muito para ser enfrentada.
Para quem prefere não entender, talvez o melhor seja calar a ignorância e parar de violentar o profundo mistério de ser.
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