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Descubra a corrupção por trás do projeto da escola cívico-militar

Descubra a corrupção por trás do projeto da escola cívico-militar

Escola cívico-militar: a mentira reprimindo a educação.


Vivemos tempos estranhos! Celebrações viraram comício, o altar virou palanque, políticos que deveriam ter cuidado com o público viraram mitos e sucateiam o Estado, precarizando o serviço público. O “mito”, ocupando o espaço de Deus, tem suas palavras – mesmo que sejam mentiras – recebidas como dogma de fé por eleitores que se tornaram fiéis.

Nesse mundo estranho, alguém me mostra um ovo e diz que é uva. Sabendo tratar-se de ovo, contesto dizendo que tem casca de ovo, e a pessoa me responde que uva também tem casca. “Logo, é ovo”, afirma. Insisto que tem clara e gema. Ela rebate que é uva. Pergunto se veio da parreira ou da galinha. “Veio da galinha, mas é uva”, responde. Tentando mostrar-lhe a realidade, questiono se veio do galinheiro ou do parreiral. Como todo fiel, ela não suporta dúvidas, nem que duvidem de sua fé, e, já irritada, grita: “Veio do galinheiro, mas é uva porque o fulano, o mito, falou que é uva!” É a lógica em que o que importa é quem disse, não a realidade.

A educação de Minas sempre foi reconhecida como uma das melhores do país, assim como a Polícia Militar do Estado. É comum ir a outros estados e ouvir de seus profissionais da educação elogios ao ensino mineiro, aos exemplos que oferece e que são seguidos por outras regiões. Tal educação se reflete no povo mineiro que, numa via de mão dupla, faz com que a cortesia e gentileza recebidas em casa sejam complementadas pela escola com conhecimento. Minas, como estado geograficamente central, é uma síntese do país; o que funciona aqui também se aplica aos demais estados. Mas seu povo, embora educado, traz em sua essência – desde os tempos em que Minas Gerais ainda nem era Minas, como na Guerra dos Emboabas – o espírito contestador e não aceita facilmente imposições ou opressões dos poderosos. Em primeiro lugar, o mineiro valoriza sua essência, sua alma rebelde revelada nos diversos movimentos de revolta ao longo de sua história.

Nos últimos anos, a página virou. É como se a história do Estado tivesse acabado e uma nova começasse a ser escrita por autores estranhos a Minas. Tudo indica tratar-se de uma história distópica: tentam implantar no Estado uma distopia social nos mesmos moldes de grandes obras do gênero, com opressão (controle estatal/extremo), desigualdade brutal (elites vs. marginalizados), ilusão de ordem (falsa utopia mantida por repressão), degradação humana (perda de liberdade, empatia e verdade).

Um governo ultraneoliberal com apoio da extrema direita, dita conservadora, já em segundo mandato, vem destruindo o Estado por dentro. Começa criticando as bases do Estado e tudo que é público. Com a mesma lógica do “ovo é uva”, consegue convencer seus seguidores, que passam a acreditar, como dogma de fé, que destruir é construir; defender única e exclusivamente o setor privado é interessante para o público; oprimir é libertar; reprimir é educar; que a violência é a solução para acabar com a violência. É o que percebemos com a proposta das escolas cívico-militares.

Na audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas, em Belo Horizonte, com apresentação do próprio secretário de educação e sua subsecretária, pudemos entender melhor as entrelinhas e o que está por trás da proposta. Na lógica “ovo é uva”, é muito difícil enxergar que casca, clara e gema são diferentes de casca, polpa e semente.

Para entendermos a aplicação da lógica do “ovo é uva” no sistema, precisamos entender as teorias usadas pelos extremistas do governo e seus apoiadores. Assim, temos o divulgado liturgicamente pela grande mídia: liberalismo do século XVIII, que prega o Estado mínimo e provocou as crises da segunda metade do século XIX, a crise de 1930, a de 1998 e a de 2008, que dura ainda hoje. Na década de 1970, o liberalismo foi reconfigurado como neoliberalismo, quando, além de pregar o Estado mínimo, passa a usar toda a máquina estatal para garantir lucros a CNPJs do setor privado. Neste sistema, o político que, por definição, cuida do público, foi substituído por um negociante, empresário, bancário, produtor e afins, para desviar os impostos e recursos públicos e, em vez de beneficiar o povo, garantir o lucro de empresas ou dar isenção de impostos para empresários financiadores de campanha do eleito.

Para capturar recursos públicos, as empresas precisam atuar de forma discreta perante a opinião pública. Na lógica do “ovo é uva”, adotam a figura de Organização Social (OS), apresentando-se como entidades sem fins lucrativos e apartidárias. “Tem casca, mas não tem polpa nem semente – ainda assim insistem que é uva”. Um exemplo emblemático: conforme apurou o site Metrópoles, a Abemil – presidida pelo Capitão Davi Lima Sousa, suplente de deputado federal pelo PL – recebeu pelo menos R$ 11 milhões dos cofres de municípios paulistas em contratos diretos, sem licitação. Para mascarar seu caráter empresarial, a associação instrumentaliza o prestígio das forças militares como estratégia de legitimação. Os próprios militares, muitas vezes inconscientes dos interesses econômicos subjacentes, tornam-se ferramentas de pressão sobre as comunidades-alvo do projeto de escolas cívico-militares da Abemil.

Para justificar o projeto, é preciso potencializar a violência dentro da escola, colocando a comunidade contra professores, chamando-os de doutrinadores, incompetentes e outros adjetivos pejorativos, dando publicidade a casos de violências pontuais, fazendo parecer que os alunos são bandidos descontrolados que precisam não de profissionais de educação, mas já são, desde crianças, caso de polícia. Em Minas, os professores são pressionados pela secretaria, estressados com preenchimento de relatórios sem fins pedagógicos, cuja impressão é de que servem apenas para transferir, à fundações privadas, dados da escola e dos alunos em geral, em uma época em que dados são mercadorias.

Chama a atenção, na audiência pública, a subsecretária dizer que os militares irão levar a ética para as escolas. Trata-se de uma violência, pois subentende-se que os profissionais da educação não têm ética. Porém, talvez ela esteja confundindo ética, que é universal, com moral, que sim será específica – uma para a educação e outra para segurança pública. Mais uma vez, a lógica “ovo é uva” é adotada. Afinal, se imaginarmos uma moral própria para o ovo ou a uva, a de um atenderia às necessidades da outra? Se pegarmos as regras do ovo e as adotarmos à uva, ela irá progredir, transformando-se em pintinho? Ou ovo enterrado como semente de uva se transformará em parreira, ou quebrado e fermentado se tornará um bom vinho?

Educadores estudam Piaget, que desenvolveu sua conhecida Teoria do Desenvolvimento Moral ou Teoria dos Estágios da Moralidade. Para o autor, a criança nasce sem moral e permanece assim até os cinco anos – no período pré-moral, ela não percebe a regra, só compartilha um brinquedo se quiser. Já a partir dessa idade até por volta dos dez anos, percebe a regra e a respeita por medo de ser punida ou por querer uma recompensa. Após os dez anos, deve, dependendo da educação, atingir a autonomia. Nessa fase, o sujeito é capaz de diferenciar entre o certo e o errado, entre o bem e o mal, e escolher o melhor. Na heteronomia, o sujeito se preocupa com: “se roubar, vou preso”; mas na autonomia: “não devo roubar, pois fere a dignidade alheia”.

Enquanto na heteronomia o sujeito estuda para ter nota e com isso ganhar um celular, na autonomia ele estuda para aprender para o seu futuro. Assim, a moral da educação é educar para desenvolver a moralidade autônoma, impedindo o sujeito de permanecer na heteronomia. Segundo Piaget, uma educação repressora baseada em recompensas e punições (sem espaço para questionamentos) pode bloquear a transição para a autonomia moral, mantendo o aluno no estágio da heteronomia. É por isso que muitos educadores, cientes de que escola cívico-militar não se trata de colégio militar nem Colégio Tiradentes, são contra o projeto do governo – e não porque são bandidos, como sugeriu o secretário da educação ao afirmar que “quem tem medo de militar é bandido”, em mais um gesto de violência contra as escolas.

O papel da segurança pública é garantir a segurança dos cidadãos. Os militares são treinados para essa finalidade, seguindo uma doutrina que os condiciona à disciplina e ao controle do corpo e da mente, para que, em momentos de tensão, não infrinjam princípios éticos como os direitos humanos. No entanto, eles não são formados para educar, e a adoção de sua rigidez na educação poderia, segundo a teoria de Piaget, impedir que os educandos desenvolvam a moralidade autônoma.

Ainda na audiência, foi explicado pelos defensores do projeto – sempre na lógica “ovo é uva” – que o projeto propõe gestão colaborativa; que as escolas escolhidas foram as em vulnerabilidade social; que não se trata de militarização das escolas; que o IDEB das escolas cívico-militares é melhor que o das demais escolas. Porém, precisamos de um olhar atento para desafiar a fé e mostrar que ovo não é uva.

Conhecemos militares que se veem como a nata da sociedade, como se fossem uma casta acima dos civis. Na hierarquia escolar, um oficial aceitará receber ordens de um civil? O próprio nome “cívico-militar” é como tentar misturar óleo e água. É mais fácil acreditar que os civis irão colaborar com militares do que o contrário.
Escola sob vulnerabilidade social tem características que, ao votar “sim” e assinar a cédula – que ao assinar vira um contrato sem número de documento -, cada segmento votante concordará com a afirmação da secretária. Porém, antes de votarem, deveriam pensar:

Se somos “vulneráveis”, por que não temos merenda digna, mas temos verba para militarização?
Se nossos alunos são “carentes”, por que a secretaria cortou psicólogos e assistentes sociais?
Se somos “prioridade”, por que nossa escola não tem biblioteca, mas vai ter farda militar?

Nas escolas selecionadas, não se percebe miséria material e cultural dos alunos, professores sem formação, alunos abandonados pelos pais a ponto de precisarem assinar uma cédula passando a responsabilidade da educação de seus filhos para a polícia. Porque sim, ao dizerem “sim”, os pais estão afirmando que a educação de seus filhos é caso de polícia e não de educadores.

Embora digam que não se trata de militarização das escolas, basta procurar fotos das escolas cívico-militares para verificar se, nas imagens com alunos no pátio, vemos uma escola ou um quartel. É falsa a afirmação de altos índices de IDEB em escolas cívico-militares, pois ainda não houve tempo suficiente para analisar os números e afirmar que foram influenciados pela militarização das escolas no modelo cívico-militar. Porém, é possível comparar o IDEB das escolas militares ligadas às Forças Armadas e o Colégio Tiradentes – que sim possuem um índice maior, assim como é maior o investimento nessas escolas. Mas isso não se dá por seu caráter militar, pois se fosse assim, os Institutos Federais – que também têm maior investimento com dedicação exclusiva de seus professores – não teriam um índice do IDEB superior aos colégios militares. Será que podemos concluir que o caráter democrático dos institutos federais faz deles as melhores escolas de ensino médio no país?

Quando vemos partidários do PL, ditos conservadores, defendendo com unhas e dentes o projeto, não deveríamos suspeitar, já que em outros estados já houve matérias jornalísticas com denúncias de vantagens do partido? Qual o interesse de conservadores em uma escola pública que doutrina militarmente, condicionando a dizer “sim” e a nunca dizer “não”? No Brasil, os conservadores têm um forte vínculo com a lógica do século XIX. Quando pensamos na história da educação brasileira, vemos que no século XIX os escravizados eram proibidos de frequentar as escolas, e só na Constituição de 1988 o Estado passou a ser obrigado a universalizar o ensino.

Quando vemos a clientela da escola pública estadual, encontramos, em geral, filhos da classe trabalhadora, enquanto nas escolas particulares, em geral, estão os filhos da classe patronal e gerencial. Podemos concluir, de forma genérica, que na escola pública estuda quem vai obedecer na sociedade, e na escola particular, da mesma forma genérica, quem vai mandar. Talvez por isso não haja proposta de escola cívico-militar para escolas particulares.

Se no século XIX os trabalhadores, em sua maioria, eram formados por escravizados – condicionados pela igreja a dizerem “sim” para receber a recompensa após a morte (“Felizes os que choram, pois receberão o reino dos céus”), e nunca dizerem “não”, por medo dos castigos que poderiam levar à morte, servindo de exemplo aos demais -, na atualidade os conservadores usam a escola com a mesma tática, agora com o aparato militar impondo a mesma lógica usada com os escravizados. A quem interessa trabalhadores que nunca dizem “não” e sempre dizem “sim”? Aos milionários, como um que, visitando uma região em vulnerabilidade social, gostou do lugar onde viu uma oportunidade de empreender, pois ali poderia contratar um empregado por R$ 300,00. Fica muito clara a intenção de se escolher as escolas em vulnerabilidade social: formar mão de obra barata. Eis a importância das assembleias escolares, onde os votantes não estão escolhendo apenas uma modalidade de educação, mas sim qual futuro querem para seus alunos.

A pressa na votação parece ter o objetivo de esconder que o ovo não é uva. Esconder a possível corrupção de contratos sem licitação em São Paulo; o interesse de partido que se diz conservador e transforma a escola em palanque eleitoral – novamente aqui a lógica do “ovo é uva” – para ocultar os interesses secretos, acusando seus oponentes de ideológicos, como se a escola militarizada não atendesse aos interesses ideológicos dos conservadores em formar mão de obra barata e eleitores que nunca ousem questionar a falta de leis que defendam os interesses da classe trabalhadora, enquanto quem irá mandar receberá a educação autônoma que lhes permite discutir, dialogar e constituir uma sociedade que atenda seus interesses. Em vez de investir na educação, melhorando salários dos servidores, a infraestrutura das escolas, programas que estimulem os alunos ao conhecimento, Zema e seus deputados de direita na ALMG defendem o fim da autoridade dos educadores. Que se tenha em mente: ovo quebrado não vira pintinho, é um caminho sem volta, pois quando o militar entra na educação, a autoridade dos professores e demais civis na escola sai, e se no futuro a comunidade escolar – professores, pais – se arrependerem, é preciso que saibam, a autoridade não mais voltará.

Ovo é ovo e uva é uva. Não falo mal de nenhum dos dois, desde que cada um ocupe o seu lugar no mundo. Da mesma forma, não falo mal da educação nem da segurança pública ou militares, pois sei que, com suas diferenças, cada qual tem seu lugar. Antes da segurança entrar na escola, é preciso pensar se ela já deu conta de recuperar todos os detentos que aprisionou. Se assim como na educação lhe faltam investimento, pessoal e recursos, será desviando sua função para a educação que a segurança irá melhorar seu desempenho? Resolve-se o problema da violência na educação colocando dentro dos portões profissionais treinados para usar a violência como repressão? Não é o mesmo que tentar apagar o fogo com gasolina?

De uma vez por todas, deixe o ovo ser ovo e a uva ser uva. Mostre que conhece a diferença entre os dois e não se deixe enganar. Diga não à escola cívico-militar.


Os comentários não representam a opinião do Partido dos Trabalhadores de Muriaé; a responsabilidade é do autor do artigo.


Opinião Wesley

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