A comemoração dos 30 anos da Fundação Cristiano Varella será marcada por shows de Ferrugem, Cézar Menotti & Fabiano e Só Pra Contrariar, além de gastronomia, parque de diversões e entrada solidária mediante doação de leite. O evento contará com recursos da Lei Rouanet (oficialmente, Lei Federal de Incentivo à Cultura), que, em 2025, continua sendo um instrumento importante para o fomento cultural no Brasil. A lei permite que empresas destinem recursos a projetos culturais em troca de abatimentos no Imposto de Renda e, neste ano, já registra recordes de captação.
Ninguém nega a importância da Fundação Cristiano Varella para o tratamento do câncer em Muriaé, Minas Gerais e até em outros estados. O atendimento de excelência, humanizado, realizado por funcionários dedicados em instalações modernas, sofisticadas e aconchegantes, oferece conforto em um momento crítico para pacientes e familiares.
O nome da fundação está intimamente ligado à personalidade de seu fundador, Lael Varella, que soube transformar seu mandato como deputado, no caso do tratamento contra o câncer, em uma política com “P” maiúsculo. Antes da criação do hospital, pacientes com câncer na cidade de Muriaé, precisavam se deslocar até Juiz de Fora, e os hospitais de Muriaé limitavam-se a oferecer apenas medicamentos paliativos, analgésicos, sem tratamento efetivo. Quem frequenta a fundação está acostumado à presença constante de Lael, que divulga a importância de ter eleitos deputados alinhados aos interesses da instituição e para isso conta com os seus frequentadores.
No site da fundação, na seção de transparência, é possível verificar as verbas repassadas pelo governo, com indicação dos deputados apoiados pelo fundador. Curiosamente, não há registros significativos de repasses de deputados de partidos divergentes. Em 2025, o deputado federal Padre João e o estadual Leleco, ambos do PT, destinaram R$ 231.258,00 para custeio da fundação. Os registros mostram maior alinhamento entre os repasses e parlamentares afins ao fundador, e não há como negar que, ao longo dos anos, a fundação recebeu vultosos recursos públicos. Uma rápida pesquisa no Portal da Transparência revela milhões em repasses federais.
Se os recursos destinados à fundação são importantes, mais importante ainda é acompanhar como políticos que recebem apoio eleitoral vinculado à causa da fundação, votam em pautas que não estejam diretamente ligadas à causa do câncer, mas afetam a população em geral. Afinal, nem só de tratamento de câncer vive o povo brasileiro.
Em 2004, quando ainda era deputado federal, Lael Varella leu na Câmara um artigo escrito por um descendente da família real brasileira que glorificava a princesa Isabel como “redentora”. Esperamos que um dia esses descendentes reconheçam o paradoxo histórico: seu privilégio foi construído sobre o suor, o sangue e as vidas de um povo escravizado. O texto omitia que o Brasil foi, vergonhosamente, o último país do continente americano a abolir a escravidão – atraso sustentado justamente pela elite da época, incluindo setores próximos à monarquia. Além dessa distorção histórica, o artigo:
• Atacava a reforma agrária,
• Insinuava que indígenas eram “latifundiários”,
• Desqualificava movimentos sociais, e
• Banalizava a precarização do trabalho, alegando que a informalidade não se equiparava à escravidão.
Lael Varella, ecoando esses argumentos, defendeu uma reforma trabalhista, sob o pretexto de que isso “facilitaria a geração de empregos”. Suas palavras exatas foram:
“Sr. Presidente, urge uma reforma trabalhista que facilite a geração de empregos e tire os milhões de trabalhadores da informalidade, que dê garantias ao direito de propriedade e à livre iniciativa, dentro de uma harmonia social. Fora desses princípios, estaremos retrocedendo à miséria da escravidão comunista.”
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Passados 21 anos, cabe questionar se esse posicionamento foi superado. Analisando as votações dos parlamentares que mantêm relação com a fundação ou seu fundador, observa-se continuidade em algumas linhas programáticas:
Misael Varella (filho de Lael), por exemplo, votou a favor da Reforma Trabalhista de 2017, que precarizou as relações de trabalho, e apoiou a Reforma da Previdência em 2019, alterando as regras de acesso a benefícios como aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. Para pacientes com câncer, a principal mudança foi a necessidade de comprovação da incapacidade para o trabalho, seja ela temporária (auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez).
Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o deputado que se apresenta como sendo da fundação votou contrariando as reivindicações dos servidores em dezembro de 2024, apoiando mudanças no IPSEMG, um instituto criado e mantido pelos servidores desde 1912.
Embora a fundação tenha um fundador, é preciso lembrar que grande parte de sua estrutura foi construída e mantida com dinheiro público. No Portal da Transparência, é possível ver repasses para o piso da enfermagem e outras despesas, comprovando sua dependência de recursos governamentais.
Os frequentadores da fundação devem entender que, embora haja uma cultura privada por trás de sua gestão, sua alma é pública – pertence a todos que pagam impostos. A festa de 30 anos, com entrada “gratuita”, na verdade será custeada por abatimentos fiscais, que podem inclusive beneficiar empresas do próprio grupo gestor da instituição.
É justo agradecer pelo trabalho da fundação, mas é essencial não confundir gratidão com ingenuidade política. Como dizem os provérbios:
- “Nem só de pão vive o homem.”
- “O diabo dá com uma mão e tira com as duas.”
- “O caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções.” Política não começa nem termina nas eleições – o voto é apenas um instrumento.
Nosso papel, como cidadãos e pacientes, é fiscalizar para que, ao nos curarmos do câncer, não acabemos dando um tiro no próprio pé.
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